Introdução
A Constituição Federal e leis
infraconstitucionais estabelecem imunidades relativas à lavratura de auto de
prisão em flagrante ou termo circunstanciado a autoridades públicas e mesmo
particulares investidas do munus público - v.g., o Advogado no exercício de sua
atividade profissional (art. 7º, § 3º da lei federal 8.906/94) - quando
flagrados no cometimento de infrações penais afiançáveis.
Dentre as autoridades públicas,
podemos citar os Deputados Federais e Senadores, por força do art. 53, § 2º,
Deputados Estaduais, ut art. 27, § 1º, Presidente da República, art. 86, § 3º,
todos da Constituição Federal; Membros do Poder Judiciário, art. 33, II da Lei
Complementar 35/79 e Membros do Ministério Público, art. 40, III da lei federal
8.625/93.
Entretanto, o Código de Processo
Penal, no seu art. 301, determina que as autoridades policiais devem prender
quem quer que seja flagrado no cometimento de infração penal, não excetuando
nenhum cidadão, com imunidade ou não.
Aparentemente, temos uma colisão
entre as imunidades determinadas pela Constituição e leis infraconstitucionais
com o determinado pelo art. 301.
Afirmamos que a antinomia é aparente,
pois como demonstrar-se-á, a prisão em flagrante deve ser cindida em dois
momentos, quais sejam, a detenção do cidadão flagrado nas situações do art. 302
e incisos do CPP, e a decorrência quanto a lavratura de procedimentos
administrativos de polícia judiciária (Auto de Prisão em Flagrante ou Termo
Circunstanciado).
1. A Prisão em Flagrante: Prisão
Material
A prisão em flagrante está prevista
nas hipóteses do art. 302, I a IV do CPP, onde o legislador atribuiu a uma
série de circunstâncias a situação de flagrância. Não cabe somente ao crime, em
sentido estrito, mas também as contravenções penais, espécie do gênero delito.
[01]
Conceituaremos no presente ensaio
como sendo prisão material a detenção corporal de quem quer que seja flagrado,
conforme o art. 302, I a IV do CPP, impondo-se segundo a disposição do mesmo
diploma legal a cessação da conduta, apreensão de objetos e todas as
providências decorrentes da prisão em flagrante (art. 6º e ss. do CPP).
Tendo o art. 301 imposto à Polícia a
prisão de quem quer que seja flagrando cometendo crime ou contravenção penal,
as autoridades públicas ou mesmo o advogado no exercício da função não estão
imunes à prisão material quando flagrados cometendo delitos afiançáveis. [02]
As imunidades conferidas a tais
autoridades referem-se apenas as providencias de polícia judiciária decorrentes
da prisão material, quais sejam, livram-se da lavratura de auto de prisão em
flagrante ou termo circunstanciado, conforme a natureza da infração penal.
A obrigação do policial em prender em
flagrante quem quer que seja, nas hipóteses do art. 302, I a IV, do CPP, é
coercitiva, decorrente da leitura do art. 301 do mesmo diploma legal. [03]
Neste sentido, Luiz Flávio Gomes
afirma que não se podem interpretar as imunidades de tais autoridades como
sendo uma autorização para não serem presas caso flagradas cometendo infrações
penais afiançáveis. Ademais, tais autoridades têm o dever de fazer cumprir e
cumprir a lei, sendo paradigma aos demais cidadãos. [04]
Como determina a norma processual
penal, uma vez flagrada à autoridade com imunidade à prisão em flagrante
cometendo crime afiançável, deverá ser presa pelo policial (civil, militar),
registrado o fato sumariamente (ficha de ocorrência policial militar, v.g.),
apreendidos objetos decorrentes do ilícito, se houver, e adotadas todas as
providencias decorrentes da prisão em flagrante, menos à condução à Delegacia
de Polícia, pois a imunidade processual impede a lavratura de qualquer feito de
polícia judiciária.
A ocorrência será remetida ao órgão
corregedor da respectiva autoridade, através do canal de comando da corporação
policial, via chefe de poder (Presidente Tribunal de Justiça, Assembléia
Legislativa, e.g.), no prazo de 24 horas, por analogia ao disposto no art. 53,
§ 2º da Constituição Federal, cabendo ao respectivo poder ou instituição a
apuração dos fatos.
Cabe salientar que a condução de tais
autoridades à Delegacia de Polícia, em caso de infração penal afiançável,
constitui, in tese, abuso de autoridade, uma vez que não estarão sujeitas a
responder a inquérito policial, iniciando-se a investigação e apuração do fato
no respectivo órgão corregedor.
2. A PRISÃO EM FLAGRANTE: PRISÃO
FORMAL
Ao segundo momento da prisão em
flagrante, após a detenção do infrator (Prisão Material), doravante será
conceituada como sendo Prisão Formal.
A esta segunda etapa da prisão em
flagrante é que estão imunes as autoridades antes nomeadas.
Quando flagradas no cometimento de
infração penal afiançável, não podem ser conduzidas à Delegacia de Polícia para
lavratura de auto de Prisão em Flagrante, ou Termo Circunstanciado.
Toda a apuração do fato dar-se-á no
respectivo órgão corregedor a que seja vinculada funcionalmente a autoridade.
Sequer tais autoridades podem ser submetidas a Inquérito Policial, eis que
possuem prerrogativa de foro para julgamento, como os Magistrados e Membros do
MP, v.g. Assim, não há sentido lógico a sua condução à Delegacia de Polícia,
como mencionado alhures.
No caso de delito inafiançável,
entretanto, impõe-se a prisão em flagrante nos dois momentos, Material e
Formal, devendo ser conduzido à Delegacia de Polícia para lavratura do
respectivo auto de prisão pelo Delegado de Polícia, Civil ou Federal, que
deverá, em 24 horas, enviar o auto a Casa a que pertence o Parlamentar (art.
53, § 2º da CF/88) ou chefe de poder ou instituição (Magistrados e Membros do
MP) [05]. Ao presidente da República, enquanto no exercício do mandato, não
cabe a lavratura de Auto de Prisão em Flagrante (art. 86, § 3º e 4º da CF/88).
CONCLUSÕES
As imunidades processuais de
autoridades da República são uma garantia as relevantes funções que desempenham
na comunidade, devendo ser respeitadas pelas autoridades policiais e
judiciárias.
Entretanto, uma leitura apressada dos
dispositivos referentes às imunidades processuais penais pode dar a entender
que não é possível prender tais autoridades quando flagradas no cometimento de
infrações penais afiançáveis.
Como demonstrado, é necessário
desmembra a prisão em flagrante em dois momentos: a prisão material, que é a
detenção corporal de quem quer que seja flagrado cometendo crime ou
contravenção penal (art. 301 do CPP), esta obrigatória, e as providenciais de
polícia judiciária, prisão formal, esta sim, com imunidades perante tais
autoridades.
Em relação ao advogado no exercício
da função, possuindo a OAB natureza autárquica, deve ser encaminhada ao seu
presidente de seccional a ocorrência evolvendo advogado preso em flagrante, no
exercício de suas atividades, em crime afiançável, a fim de ser endereçada por
esta autoridade ao poder judiciário.
Quanto às demais autoridades (membros
do congresso nacional, deputados estaduais, magistrados e membros do MP), cabe
encaminhar em 24 horas a ocorrência ao respectivo chefe de poder ou da
instituição, para fins de instrução processual penal, uma vez que não estão
sujeitos a apuração do delito por autoridade policial.
Ao presidente da República,
mencionamos sua total imunidade formal, enquanto estiver no exercício do
mandato.
Não abordamos as imunidades
diplomáticas, eis que são absolutas, decorrentes de Convenção Internacional,
não podendo o diplomata ser preso, sequer materialmente.
NOTAS
01 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo
Penal. 12ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 370.
02 CPP: art. 322. A autoridade
policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com
detenção ou prisão simples.
Parágrafo único. Nos demais casos do
art. 323, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito)
horas.
art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes punidos com reclusão
em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos;
II - nas contravenções tipificadas
nos arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais;
III - nos crimes dolosos punidos com
pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime
doloso, em sentença transitada em julgado;
IV - em qualquer caso, se houver no
processo prova de ser o réu vadio;
V - nos crimes punidos com reclusão,
que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra
a pessoa ou grave ameaça.
Art. 324. Não será, igualmente,
concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo,
tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo,
qualquer das obrigações a que se refere o art. 350;
II - em caso de prisão por mandado do
juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar;
III - ao que estiver no gozo de
suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado
por crime culposo ou contravenção que admita fiança;
IV - quando presentes os motivos que
autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
03 RANGEL, Paulo. Direito Processual
Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 610.
04 GOMES, Luiz Flávio. Nova
disciplina Jurídica da inviolabilidade penal, das Imunidades e das
Prerrogativas Parlamentares Publicado em http://www.proomnis.com.br, acesso em
11.01.2006. p. 12: primeira regra que se infere do texto constitucional: em
crimes afiançáveis jamais o parlamentar pode ser preso. Mas isso não pode
significar que contra ele, colhido em flagrante (agredindo alguém, fazendo
contrabando etc) nada possa ser feito. Não se pode deixar perpetuar uma
situação de ilicitude. A prisão em flagrante, como sabemos, apresenta três
momentos (a) a captura, (b) lavratura do auto de prisão em flagrante, (c)
recolhimento ao cárcere. O parlamentar, em crime afiançável, não é alcançado
obviamente pela inviolabilidade penal, desde que surpreendido em flagrante,
será capturado, leia-se, interrompido em sua atividade ilícita, até porque não
se pode conceber que uma atividade ofensiva a bens jurídicos tutelados pelo
direito penal perdura no tempo, quando é possível interditá-la. Interrompe-se
sua atividade ilícita (numa espécie de captura), mas não será lavrado o auto de
prisão em flagrante e tampouco será recolhido ao cárcere. Recorde-se, em crimes
afiançáveis o parlamentar não pode ser preso. Depois de tomadas todas aa
providencias legais, será ele dispensado ( e não há que se falar aqui em
liberdade provisória).
05 IDEM, IBIDEM, p. 12: no caso de
prisão em flagrante por crime inafiançável há a captura do parlamentar, a
autoridade que preside o ato lavra normalmente o auto de prisão em flagrante,
tomando-se todas as providencias necessárias (requisição de laudos, quando o
caso, expedição de nota de culpa, etc), e, dentro de vinte e quatro horas,
remete os autos à Casa respectiva.
Fonte: Metzker - Coruja do Vale
Fonte: Metzker - Coruja do Vale
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